O ser humano pode ser reduzido
apenas a átomos?
Sim,
em uma das camadas da realidade que Deus criou, os seres humanos –
e tudo mais o que existe neste universo – são constituídos de
átomos [i].
Contudo, a cosmovisão naturalista ou materialista considera
essencialmente que os seres humanos são feitos apenas de átomos, e
que tudo o que o indivíduo vivencia, em termos de emoções e
pensamentos, por exemplo, pode ser explicado a partir do que acontece
com os seus átomos. Esta é uma visão reducionista, que é típica
de quem enxerga o mundo através do naturalismo filosófico
(ateísmo), e normalmente também através do evolucionismo
(darwinismo).
Será
que nós somos apenas átomos, combinados em moléculas, que por sua
vez se organizam em estruturas bioquímicas cada vez mais complexas e
em organelas celulares, e estas se estruturam em células, tecidos e
órgãos, até constituir todo o organismo humano? Há uma estimativa
de que um homem de 70kg tenha cerca de 7x1027
(sete octilhões: 7.000.000.000.000.000.000.000.000.000) de átomos
em seu organismo, e que aproximadamente 98% destes átomos são
renovados anualmente, por meio dos ciclos bioquímicos naturais dos
elementos químicos (principalmente carbono, nitrogênio, oxigênio e
hidrogênio), através da ingestão de alimentos sólidos e líquidos,
trocas gasosas com o meio ambiente (respiração) e eliminação de
dejetos.
Do
ponto de vista celular, enquanto alguns tecidos, como a pele e a
mucosa estomacal, são conhecidos por se regenerar com maior
frequência, outros tipos de células são renovados mais lentamente.
Há uma estimativa de que uma grande parte das células de um ser
humano tenha apenas cerca de 10 (dez) anos de idade – ou até menos
– mesmo que este indivíduo seja avançado em idade cronológica.
Esta espantosa taxa de renovação ou regeneração pode, até mesmo,
promover discussões filosóficas sobre a identidade do ser humano em
constante renovação, como por exemplo, o paradoxo do “navio de
Teseu”.
No
livro “The
Ultimate Proof of Creation”,
Jason Lisle comenta: “Se os seres humanos são apenas acidentes
químicos, porque deveríamos nos importar com o que eles fazem? Nós
não ficamos contrariados quando bicarbonato de sódio reage com
vinagre; isto é exatamente o que os reagentes químicos fazem.
Então, por que um evolucionista ficaria contrariado com qualquer
coisa que um ser humano fizesse a outro, se nós não passamos de
reações químicas complexas?”
Usando
um argumento similar, John Lennox, em seu livro “Gunning
for God”,
desenvolve o seguinte raciocínio lógico: “Depois de tudo, como o
químico J.B.S. Haldane destacou, já faz algum tempo, que se os
pensamentos em minha mente são apenas o movimento de átomos em meu
cérebro - um mecanismo que surgiu por processos não guiados e não
inteligentes, porque eu deveria acreditar em qualquer coisa que eles
me dizem - incluindo o fato de que eles são feitos de átomos?”
John
Lennox continua explorando esta questão da cosmovisão reducionista
em seu livro “God
and Stephen Hawking”,
apresentando o conceito da seguinte forma: “Como Francis Crick, ele
quer nos fazer crer que nós, seres humanos, não somos nada além de
‘meras coleções de partículas fundamentais da natureza’. Crick
escreve: ‘Você, suas alegrias e tristezas, suas memórias e
ambições, seu senso de identidade pessoal e livre arbítrio, são
na verdade nada mais do que o comportamento de um vasto conjunto de
células nervosas e suas moléculas associadas’... Uma pintura de
Rembrandt não seria mais do que moléculas de tinta espalhadas em
uma tela?... Afinal de contas, se o próprio conceito de verdade
resulta de ‘nada mais do que o comportamento de um vasto conjunto
de células nervosas’, como, em nome da lógica, poderíamos saber
que o nosso cérebro foi constituído de células nervosas?”. Estes
argumentos relembram o que veio a ser conhecido como a “Dúvida de
Darwin”: “...Para mim, sempre surge a dúvida horrível se as
convicções da mente humana, que foi desenvolvida a partir da mente
de animais inferiores, têm algum valor ou são confiáveis”.
O
físico de partículas, teólogo e reverendo inglês, John
Polkinghorne, descreve: “Se a tese de Crick é verdadeira, nós
nunca poderíamos saber. Pois, não apenas relega nossas experiências
de beleza, obrigação moral e busca religiosa, a uma sucata
epifenomenológica, mas também destrói a racionalidade. O
pensamento é substituído por eventos neurais eletroquímicos. Estes
dois eventos não podem confrontam um ao outro em um discurso
racional. Eles não estão nem certos nem errados. Eles simplesmente
acontecem... As próprias afirmações do reducionista não são mais
do que sinais pontuais na rede neural do seu cérebro. O mundo do
discurso racional dissolve-se na conversa absurda do disparo de
sinapses. Francamente, isso não pode estar certo e nenhum de nós
acredita que seja assim”.
Na
obra "One
World: The Interaction of Science and Theology",
John Polkinghorne continua a combater o reducionismo extremo da
cosmovisão naturalista/materialista, apresentando uma oportuna e
relevante visão da realidade em múltiplas camadas: “A realidade é
uma unidade de muitas camadas. Eu posso perceber outra pessoa como um
agregado de átomos, um sistema bioquímico aberto interagindo com o
ambiente, um exemplar de Homo
sapiens, um objeto
de beleza, alguém cujas necessidades merecem meu respeito e minha
compaixão, um irmão ou irmã por quem Cristo morreu. Tudo
verdadeiro e tudo misteriosamente coexiste nesta pessoa. Negar um
desses níveis é diminuir tanto essa pessoa quanto a mim, que a
observo; é faltar com a justiça à riqueza da realidade. Parte da
apologética a favor do teísmo é que em Deus, o Criador, o
fundamento de tudo o que há, esses diferentes níveis encontram
abrigo e segurança. Ele é a origem de toda ligação, aquele cujo
ato criador reúne em uma só as visões de mundo da ciência,
estética,
ética
e religião,
como expressões de sua lógica,
sua alegria,
sua vontade
e sua presença”.
Partindo-se
de uma linha de pensamento mais próxima da filosofia, porém
alinhada com os mesmos argumentos apresentados acima para o problema
do reducionismo naturalista/materialista, o filósofo cristão
Francis Schaeffer, em seu livro “O
Deus que se revela”,
defende a cosmovisão cristã da seguinte forma: “... Quando
partimos de uma origem pessoal de todas as coisas, então estaremos
em condições de entender a vocação do ser humano para a
personalidade, como uma das explicações possíveis. Se partirmos de
um nível inferior à personalidade, no final teremos que reduzir a
personalidade ao impessoal. O mundo científico moderno assim procede
em seu reducionismo, no qual a palavra personalidade limita-se ao
caráter do impessoal, acrescido de complexidade. No mundo científico
naturalista, seja da sociologia, seja da psicologia ou das ciências
naturais, o ser humano é reduzido a algo impessoal, acrescido de
complexidade... Lamentável geração! Os homens, feitos à imagem de
Deus, com o intuito de estar em comunicação vertical com aquele que
existe e que deseja lhes falar, e para ter comunicação horizontal
com seres da sua própria espécie, transformaram-se a si mesmos,
devido ao seu racionalismo soberbo, em seres autossuficientes,
chegando a este lugar... Assim, temos três fatos simultâneos: Deus,
o Deus pessoal infinito fez o universo; o homem, a quem ele fez para
viver naquele universo; e a Bíblia, que ele nos deu para falar sobre
o universo. Seria de se estranhar haver unidade entre estas coisas?
Por que motivo deveríamos ficar surpresos?... Não é de surpreender
o fato de que, se um Deus inteligível criou o universo e me colocou
dentro dele, ele tenha igualmente correlacionado as categorias da
minha mente, para que elas se encaixassem neste universo,
simplesmente porque eu preciso viver nele. Esta é uma simples
extensão lógica dos meus pontos anteriores. Se o mundo foi feito da
forma como o sistema judaico-cristão afirma que foi, não deveríamos
nos surpreender ao encontrar categorias mentais no homem que
concordam com o universo em que ele vive”.
O
teólogo e reformador cristão João Calvino, no parágrafo 20 do
capítulo XIV encontrado no primeiro livro das “Institutas
da Religião Cristã”,
empunhou sua pena para escrever: “E assim criou o céu e a terra
com a mais plena abundância de todas as coisas, pela variedade e
beleza, como se tivesse ornado admiravelmente uma ampla e esplêndida
morada, ao mesmo tempo mobiliada e repleta do mais excelente e
copioso. Por fim, ao dar forma ao homem, tocando-o com tanto brilho,
tornando-o insigne com todos e tantos dons, fez dele o espécime mais
notável de suas obras”.
A
cosmovisão cristã declara que o ser humano é muito mais do que
apenas átomos, e a própria Escritura dignifica o ser humano como
uma criação especial de Deus, como pode ser observado abaixo, em
alguns exemplos de textos bíblicos:
“Criou
Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e
mulher os criou”
(Gn 1:27)
“Quando
contemplo os teus céus, obra dos teus dedos, e a lua e as estrelas
que estabeleceste, que é o homem, que dele te lembres? E o filho do
homem, que o visites? Fizeste-o, no entanto, por um pouco, menor do
que Deus e de glória e de honra o coroaste”
(Sl 8:3-5)
“Mas
agora, ó SENHOR, tu és nosso Pai, nós somos o barro, e tu, o nosso
oleiro; e todos nós, obra das tuas mãos”
(Is 64:8)
“Tu
és digno, Senhor e Deus nosso, de receber a glória, a honra e o
poder, porque todas as coisas tu criaste, sim, por causa da tua
vontade vieram a existir e foram criadas”
(Ap 4:11)
Contudo,
o que poderia dignificar mais o ser humano, do que o próprio Filho
do Deus vivo (Mt
16:16), o Verbo
da vida (1Jo
1:1), ter
assumido a natureza humana? Jesus Cristo, “a
imagem do Deus invisível”
(Cl 1:15-20),
é verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem. Entretanto, este
Emanuel (Is 7:14;
Mt 1:23), “Deus
conosco”, não viveu neste mundo à parte do sofrimento humano, mas
se compadeceu de nossas fraquezas (Hb
4:14-16),
sofrendo e experimentando as provações e dores da existência
humana (Is 53;
1Pe 4:1), até
o ápice da sua morte na cruz do Calvário (Jo
19:17). No
entanto, o túmulo de Jesus está vazio,
e isto é um fato que deve preencher
de esperança o coração e a alma do verdadeiro crente ou discípulo
de Cristo, por causa da sua graciosa e misericordiosa obra de
redenção.
J.I.
Packer, em sua obra “O
conhecimento de Deus”,
resume bem a realidade do “Deus encarnado”, com as seguintes
palavras: “O Verbo se fez carne: um bebê humano real. Ele não
deixou de ser Deus; ele não era menos Deus do que antes; mas ele
havia começado a ser homem. Ele não era agora Deus menos alguns
elementos de sua divindade, mas Deus e mais tudo o que ele havia
tornado seu ao assumir a humanidade em si mesmo. Aquele que havia
feito o homem agora estava sentindo como era ser um”.
Cristo,
ao nascer como um menino em uma manjedoura, também foi constituído
de átomos, assim como “todas
as coisas [que] foram feitas por intermédio dele”
[ii].
Portanto, Jesus também tinha um cérebro feito de átomos, assim
como nós. Contudo, ao contrário de nós, que temos uma
“humanaMENTE",
Jesus Cristo – sendo também perfeitamente Deus – tem uma
“divinaMENTE".
Graças a Deus por Jesus
Cristo!
*Notas:
[i]
A princípio, os
átomos também poderiam ser subdivididos em partículas subatômicas,
e esta visão reducionista poderia atingir níveis ainda mais ínfimos
no âmago da matéria, a partir do que se conhece, por exemplo, no
“Modelo Padrão” da física de partículas. Contudo, para os fins
deste texto, iremos nos ater ao reducionismo no nível dos átomos,
que geralmente é uma nomenclatura mais conhecida e melhor
compreendida.
[ii]
“No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo
era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram
feitas por intermédio dele, e, sem ele, nada do que foi feito se
fez” (Jo
1:1-3).