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15 junho 2014

Institutas 25

“... Não somos nossos; logo, que nem nossa razão nem nossa vontade tenham predomínio em nossas resoluções e em nossos atos. Não somos nossos; logo, não estabeleçamos parra nós a finalidade de buscar o que nos convém segundo a carne. Não somos nossos; logo, convém que nos esqueçamos tanto quanto possível de nós mesmos e de todas as nossas coisas. Em contrapartida, somos de Deus; logo, vivamos e morramos parar Ele. Somos de Deus; logo, que sua sabedoria e vontade presidam todas as nossas ações. Somos de Deus; a Ele, pois, dediquemos todas as partes de nossa vida, como o único fim legítimo (Romanos 14:8)...”
“... E, assim, o primeiro passo é que o homem se afaste de si, para aplicar toda a força de seu intelecto ao serviço de Deus. Chamo serviço não somente o que consiste na obediência à Palavra, mas aquele pelo qual o intelecto do homem, esvaziada da sensação mesma de sua carne, converte-se inteiramente às ordens do Espírito de Deus. Essa transformação, à qual Paulo chama renovação da mente (Efésios 4:23).”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo VII, parágrafo 1)

“... É preciso o cristão estar de tal forma disposto e preparado que compreenda que seu negócio com Deus é para toda a vida. Por essa razão, da mesma forma que entregar todas as suas obras ao arbítrio e ao cálculo de Deus, assim também oferecerá a Ele, reverentemente, todo o desígnio de seu coração.”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo VII, parágrafo 2)

“... A escritura, no entanto, para conduzir-nos a isso, adverte-nos de que todas as graças que obtemos do Senhor nos foram confiadas por Ele com a condição de que contribuamos ao bem comum da Igreja; e, portanto, que o uso legítimo de todas essas graças implica a comunicação liberal e benigna delas aos demais...”
“... Logo, uma vez que tua benignidade não pode subir até Deus (como diz o profeta), ela deve ser exercitada para com seus santos, que estão na terra (Salmos 16:3).”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo VII, parágrafo 5)

“... O Senhor prescreve que se faça o bem a todos, sem exceção, ainda que eles sejam, em sua maior parte, completamente indignos, se são julgados pelos próprios méritos. Mas aqui a Escritura apresenta uma excelente razão, ao ensinar-nos que n ao devemos examinar o que os homens mereçam por si, mas sim considerar em todos a imagem de Deus, à qual devemos toda honra e amor. Ela deve ser observada ainda mais diligentemente naqueles que são ‘da família da fé’ (Gálatas 6:10), enquanto é neles renovada e restaurada pelo Espírito de Cristo.”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo VII, parágrafo 6)

“... Ora, requer-se dos cristãos muito mais além do que mostrar-se afável de rosto e tornar seus deveres amáveis pela cordialidade de suas palavras. Primeiro, devem olhar para quem carece de sua ajuda e levantar a pessoa, ao mesmo tempo em que se condoem de sua sorte, como se eles mesmos a experimentassem e padecessem, para que prestem auxílio com o mesmo sentimento de misericórdia e de humanidade, não de forma diferente do que prestariam auxílio a si mesmos.”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo VII, parágrafo 7)

“... Pois não é coisa de pouca importância arrancar de ti o cego amor por ti mesmo, para que te tornes mais cônscio de tua debilidade; que sejas ferido pela percepção de tua debilidade, para aprenderes a desconfiar de ti mesmo; que desconfies de ti mesmo, para transferires a Deus tua confiança; que repouses a confiança de teu coração em Deus, para que, apoiado em seu favor, perseveres vitorioso até o fim; e que perseveres em sua graça, para compreenderes que é veraz em suas promessas; que consideres como certa essa segurança de suas promessas, para que se consolide tua esperança a partir daí.”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo VIII, parágrafo 3)

“... Contentemo-nos, pois, mais com o testemunho de Cristo que com uma falsa opinião da carne. Assim, a exemplo dos apóstolos, regozijar-nos-emos sempre que Ele reputar dignos aqueles que soframos afronta por causa de seu nome (Atos 5:41). Quê, então? Se, inocentes e de consciência limpa, somos despojados de nossos bens por maldade dos ímpios, diante dos homens somos reduzidos à indigência, mas, diante de Deus, nossas verdadeiras riquezas aumentam no céu. Se somos separados de nossos parentes, tanto mais somos recebidos na família de Deus; se somos marcados por opróbrios e ignomínia, tanto maior nosso lugar no reino de Deus; se somos trucidados, desse modo se nos abre a porta para a vida bem-aventurada. Envergonhemo-nos, pois, de dar menos valor àquilo a que o Senhor atribuiu tão alto preço do que às ociosas e vãs seduções da vida presente.”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo VIII, parágrafo 7)

“... Se não houvesse aspereza na necessidade, se não houvesse suplício nas doenças, se não houvesse golpe na ignomínia, se não houvesse horror na morte, que fortaleza ou moderação haveria em fazer pouco caso dessas coisas? Mas, como cada uma contém em si certa amargura, com a que naturalmente morde o coração de todos nós, nisto se mostra a fortaleza do homem fiel: se, tentado pela sensação de amargura, ainda que sofra intensamente, vence, resistindo com bravura.”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo VIII, parágrafo 8)

“... Pois as próprias adversidades terão sua aspereza, com a qual nos morderão. Sim, afligidos pela doença, gemeremos e nos inquietaremos e ansiaremos pela cura; sim, oprimidos pela necessidade, seremos tocados pelos aguilhões da inquietação e da tristeza; sim, seremos feridos pela dor da ignomínia, do desprezo e da injúria; sim, derramaremos as lágrimas exigidas pela natureza nos funerais dos nossos; mas sempre chegaremos a esta conclusão: o Senhor quis assim; sigamos, pois, sua vontade. Mais ainda, é necessário que esse pensamento penetre nos próprios golpes da dor, nos gemidos e nas lágrimas, e incline nosso espírito a suportar com alegria as mesmas coisas que o entristecem.”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo VIII, parágrafo 10)

“Seja qual for o gênero de tribulação que nos aflija, devemos ter sempre em mente este fim: acostumarmo-nos ao desprezo pela vida presente, e, por isso, despertarmos para a meditação da vida futura. Pois, uma vez que o Senhor sabe muito bem até que ponto estamos inclinados pela natureza a um bestial amor a este mundo, aplica a medida mais eficaz para afastar-nos dele e despertar-nos de nosso torpor, a fim de que não nos apeguemos tão tenazmente a tal amor...”
“... Mas, se examinares as intenções, as empresas, os atos de cada um de nós, não verás ali nada mais que terra. E daí provém nossa estupidez, porque nossa mente é embotada pelo vão esplendor das riquezas, do poder e das honras, para que não vejam além. Também o coração é acabrunhado pelo peso da avareza, da ambição e do desejo, para que não se erga mais alto. Finalmente, nossa alma toda, enredada nos deleites da carne, procura sua felicidade na terra...”
“... E disso concluímos que  aqui não se deve buscar nem esperar mais do que luta; e que devemos levantar os olhos para o céu quando pensamos na coroa. Pois é certo que nosso espírito não levará a sério o desejo e a meditação da vida futura a menos que, antes, tenha sido imbuído do desprezo pela vida presente.”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo IX, parágrafo 1)

“Porque entre essas duas coisas não há meio-termo possível: ou a terra perde todo o valor para nós ou nos reterá ligados a ela por um amor destemperado. Por isso, se a eternidade significar algo para nós, devemos nos incumbir diligentemente de nos livrar desses maus grilhões. Além disso, uma vez que a vida presente dispõe de muitas seduções com que nos aliciar e muita aparência de amenidade, de graça e de suavidade com que atrair, é extremamente necessário que nos afastemos dela amiúde, para não sermos fascinados por tais encantos.”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo IX, parágrafo 2)

“Os fiéis acostumar-se-ão a tal desprezo pela vida presente, sem, no entanto, nutrir ódio e ela nem ingratidão para com Deus. Porque esta vida, por mais que repleta de infinitas misérias, consta com razão entre as irrecusáveis bênçãos de Deus. Por isso, se não reconhecemos nela nenhum benefício de Deus, já somos culpados de grande ingratidão para com Ele. Principalmente, ela deve servir de testemunho para os fiéis da benevolência divina, uma vez que está toda destinada a promover sua salvação. Pois Ele, antes de mostrar-nos abertamente a herança da glória eterna, quer declarar que é nosso Pai com demonstrações menores, que são os bens que nos confere a cada dia.”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo IX, parágrafo 3)

“... Pois, se o céu é sua pátria, que é a terra senão seu exílio? Se partir deste mundo é entrar na vida, que é este mundo senão um sepulcro? E que é permanecer nele senão estar imerso na morte? Se ser libertado do corpo é ser posto em perfeita liberdade, que é o corpo senão um cárcere? Se usufruir da presença de Deus é a suma e suprema felicidade, não será infeliz carecer dela? Certamente, enquanto não deixamos o mundo, ‘somos peregrinos, longe do Senhor’ (2 Coríntios 5:6)...”
“... mesmo desejando seu fim [vida terrena], estejamos também preparados para permanecer nela segundo a vontade do Senhor, para que nosso tédio passe longe de toda murmuração e impaciência. Pois ela é como uma moradia em que o Senhor nos colocou e que deve ser conservada por nós até que Ele nos chame de volta...”
“... é próprio do Senhor determinar o que mais convém à sua glória. Portanto, se devemos viver e morrer para o Senhor, deixemos a seu arbítrio o limite da morte e da vida...”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo IX, parágrafo 4)

“... ‘Alegrai-vos’, diz o Senhor, ‘levantai vossas cabeças, por que se aproxima vossa redenção’ (Lucas 21:28). É razoável, pergunto, que aquilo que o Senhor quis que nos fizesse saltar de felicidade e de alegria não gere em nós senão tristeza e consternação? Se é assim, por que nos vangloriamos dele, como se ainda fosse nosso Mestre? Recobremos então o juízo; e, por mais que isso repugne à cega e estúpida cobiça da nossa carne, não duvidemos de que esperar o advento do Senhor com nosso desejo, e também com gemidos e suspiros, é, entre todas as coisas, a mais feliz. Pois virá a nós o Redentor, que, tendo-nos tirado deste imenso abismo de todos os males e misérias, guiar-nos-á àquela bem-aventurada herança de vida e de sua glória.”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo IX, parágrafo 5)

“... Mais ainda: se os fiéis são golpeados pela improbidade dos ímpios, se suportam as ofensas de sua altivez, se são saqueados por sua avareza, se são atormentados por algum outro desejo deles, ainda então não lhes será difícil consolar-se mesmo em meio de tais males. Pois terão diante de seus olhos aquele dia em que o Senhor receberá a seus fiéis no descanso de seu reino, enxugará todas as lágrimas de seus olhos, vesti-los-á com a túnica da glória e da alegria, apazigua-los-á com a inenarrável suavidade de seus deleites, eleva-los-á a sua altura e honra-los-á, finalmente, com a participação em sua bem-aventurança (Isaías 25:8; Apocalipse 7:17).”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo IX, parágrafo 6)