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17 agosto 2015

Institutas 33

“… No que se refere à intercessão, vimos também que é ofício peculiar de Cristo e que nenhuma outra oração agrada a Deus senão aquela que esse Mediador santifica… Além disso, vê-se claramente que essa superstição ['a intercessão dos santos defuntos'] nasceu de uma certa incredulidade, porque ou não se deram por satisfeitos com que Cristo fosse o Mediador ou o despojaram por completo dessa honra...”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo XX, parágrafo 27)

“… Quanto ao sacrifício de louvor e ação de graças, não se pode fazer interrupção alguma nele sem ofendermos gravemente a divina majestade, já que Deus nunca cessa de acumular sobre nós benefícios sobre benefícios, para obrigar-nos dessa maneira a permanecer submetidos a Ele por gratidão, por mais torpes e preguiçosos que sejamos. Por fim, é tão grande e admirável sua magnificência para conosco que não temos nada que não esteja coberto com ela; tantos e tão grandes são seus milagres que, para onde quer que olhemos, jamais falta motivo suficiente para glorificá-lo e dar-lhe graças...”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo XX, parágrafo 28)

“… Mas, como o fim da oração, segundo expusemos antes, é elevar nosso espírito até Deus para bendizê-lo e pedir-lhe socorro, pode-se por isso compreender que o principal da oração radica no coração e no espírito; ou, melhor dizendo, que a oração propriamente não é senão esse afeto interno do coração que se manifesta diante de Deus, perscrutador de corações...”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo XX, parágrafo 29)

“… Claro que se o canto [louvor na forma musical] se acomoda à gravidade [seriedade ou reverência] que se deve ter diante do trono de Deus e dos anjos, não somente é um ornamento que confere maior graça e dignidade aos mistérios que celebramos mas serve, além disso, para incitar os corações e inflamá-los em maior afeto e fervor para orar. No entanto, guardemo-nos muito de que nossos ouvidos estejam mais atentos à melodia do que nosso coração ao sentido espiritual das palavras...”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo XX, parágrafo 32)

“… Platão, vendo a ignorância dos homens nas petições e súplicas que dirigiam a Deus, as quais muitas vezes não poderiam senão lhes causas grande dano, afirma que a mais perfeita maneira de orar é, segundo o formulou um poeta antigo, rogar a Deus que nos faça o bem, quer o peçamos ou não; e que afaste de nós o mal, mesmo quando nós o pedimos [Platão, Alcebíades II, 142E 143A].”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo XX, parágrafo 34)

“[Calvino discorrendo sobre as petições da oração do 'Pai nosso', encontrada em: Mateus 6:9; Lucas 11:2]… E para dar-nos maior segurança de que, se somos cristãos, Ele é nosso Pai, não somente quis que o chamemos com esse nome mas também que o chamemos expressamente 'nosso', como se lhe disséssemos 'Pai, que és tão doce para com teus filhos e tão fácil em perdoar-lhes as faltas, nós, teus filhos, te chamamos e a ti dirigimos nossas súplicas, seguros e totalmente convencidos de que não há em ti mais afeto e vontade que os de um Pai, por mais indignos que sejamos de ti'. Mas como a pequenez de nosso coração não pode receber nem compreender tão infinito favor, Cristo nos serve de fiança e garantia de nossa adoção, e, além disso, dá seu Espírito como testemunho dessa adoção, pela qual nos é conferida a liberdade de invocá-lo: 'Abba, Pai!' (Gálatas 4:6). Assim, sempre que nossa preguiça e negligência nos opuserem dificuldades, lembremo-nos de suplicar-lhe que corrija a fraqueza que nos faz tímidos e nos dê como guia seu Espírito de magnanimidade, para que oremos a Ele ousadamente.”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo XX, parágrafo 37)

“… Porque, assim como todo aquele que, deveras e de coração, ama o pai de uma família ama também a todos os que a integram, da mesma maneira nós, se amamos a nosso Pai celestial e desejamos servir-lhe, precisamos mostrar nosso afeto e amor a seu povo, a sua família e a suas posses, que Ele honrou e a que chama plenitude de seu Filho Unigênito (Efésios 1:23)...”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo XX, parágrafo 38)

“[Calvino discorrendo sobre a quarta petição ('o pão nosso de cada dia dá-nos hoje') da oração do 'Pai nosso', encontrada em: Mateus 6:9; Lucas 11:2]… Por essa causa, somos mandados a pedir tão só o que se requer para satisfazer nossa necessidade durante a jornada, e com a confiança de que, tendo nosso Pai celestial nos mantido nesse dia, tampouco se esquecerá de nós no dia seguinte...”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo XX, parágrafo 44)

“[Calvino discorrendo sobre a quinta petição ('e perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós temos perdoado aos nossos devedores') da oração do 'Pai nosso', encontrada em: Mateus 6:9; Lucas 11:2]… Finalmente, pedimos que essa remissão nos seja outorgada como nós perdoamos a nossos devedores, ou seja, como nós perdoamos todos aqueles que nos fizeram algum agravo ou injúria, seja de palavra ou de fato. Não que possamos perdoar a culpa do delito e da ofensa – pois isso compete só a Deus –, mas a remissão e perdão que temos de fazer consiste em arrancar voluntariamente de nosso coração toda ira, ódio e desejo de vingança, e esquecer em definitivo toda injúria e ofensa que nos tenham feito, sem guardar rancor contra ninguém...”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo XX, parágrafo 45)

“[Calvino discorrendo sobre a sexta petição ('e não nos deixes cair em tentação; mas livra-nos do mal') da oração do 'Pai nosso', encontrada em: Mateus 6:9; Lucas 11:2]… As tentações são muitas e de diferentes tipos. Porque todos os maus pensamentos de nossa mente que nossa concupiscência suscita ou que o Demônio atiça, que nos induzem a transgredir a lei, são tentações; e as próprias coisas que em si não são más, no entanto, por arte e indústria de Satanás, convertem-se em tentações quando se nos põem diante dos olhos a fim de nos afastarem de Deus (Tiago 1:2,14; Mateus 4:1,3; 1Tessalonicenses 3:5). Destas últimas, umas estão à direita, outras à esquerda. À direita, as riquezas, o poder, a honra e outras semelhantes, que muitas vezes, sob a aparência de bem e majestade, cegam os olhos e enganam com seus ardis, para que, apanhados em tais astúcias e embriagados em sua doçura, esqueçam-se de Deus. À esquerda, coisas como a pobreza, a ignomínia, o desprezo, as aflições e outras desse tipo, com cuja aspereza e dificuldade se desalente, perca o ânimo e toda confiança e esperança, afastando-se finalmente por completo de Deus. Assim, pedimos nessa sexta petição a Deus, Nosso Pai, que não permita sermos vencidos pelas tentações que lutam contra nós, quer aquelas a que somos induzidos pela astúcia de Satanás; mas antes que, com sua mão, mantenha-nos e levante, para que, animados por seu esforço e virtude, possamos manter-nos firmes contra todos os assaltos de nosso maligno inimigo, sejam quais foram os pensamentos a que nos queira induzir. E também que transformemos em bem tudo aquilo que nos apresenta de uma parte ou de outra; quer dizer, que não nos ensoberbeçamos com a prosperidade, nem percamos o ânimo na adversidade. No entanto, não pedimos aqui que não sintamos tentação alguma, pois nos é muito necessário sermos estimulados por elas, para não dormirmos no ócio… Entendendo ao mesmo tempo que, se o Senhor está presente e combate por nós, faremos proezas sem nossas forças (Salmos 60:12)...”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo XX, parágrafo 46)

“… Em suma, concluamos que esta [se referindo à oração do 'Pai nosso'] é a doutrina da sabedoria de Deus, que ensinou o que quis e quis o que foi necessário.”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo XX, parágrafo 49)

“Se, tendo exercitado nossas almas para tal obediência [se referindo ao exercício da oração como 'uma espécie de disciplina e de aprendizagem de nossa fraqueza, com que se exercite e estimule o mais possível'], deixamo-nos reger pelas leis da providência divina, facilmente aprenderemos a perseverar na oração e, dominando nossos afetos com paciência, esperemos o Senhor, seguros de que, embora não se deixe ver, está no entanto sempre conosco e que, a seu tempo, mostrará que jamais esteve surdo a nossas orações, que aos homens pareciam ser rechaçadas… Porque muitas vezes podemos ver nos salmos como Davi e os demais fiéis, quando já quase cansados de orar, como que houvessem falado ao vento e que Deus, a quem suplicavam, estivesse surdo, nem por isso deixaram de orar (Salmos 22:2)...”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo XX, parágrafo 51)

“… 'E, se sabemos que ele nos ouve quanto ao que lhe pedimos, estamos certos de que obtemos os pedidos que lhe temos feito' (1 João 5:15). Embora pareçam supérfluas, essas palavra são, em realidade, uma declaração muito útil para advertir-nos de que Deus, mesmo quando não condescende conosco, dando-nos o que lhe pedimos, nem por isso nos deixa de ser propício e favorável, de maneira que nossa esperança, ao apoiar-se em sua Palavra, não será jamais confundida nem nos enganará. É tão necessário aos fiéis manter-se com essa paciência que, se não se apoiassem nela, não permaneceriam em pé. Porque o Senhor põe os seus à prova com experiências árduas; e não somente não os trata com delicadeza, mas muitas vezes até os põe em gravíssimos apertos e necessidades, e, assim abatidos, deixa-os afundar na lama por longo tempo, antes de dar-lhes certo o gosto de sua doçuraNo entanto, embora eles se apóiem na segurança da esperança que têm, apesar disso não deixam de orar; porque, se em nossa oração não há constância de perseverança, nossa oração nada vale.”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo XX, parágrafo 52)